Roxa xenaider

quinta-feira, junho 30, 2005

No deserto de Moçâmedes

Quando Ettore Scola esteve em Angola com Alberto Sordi, Nino Manfredi e Bernard Blier, foi preciso mobilizar uma tribo de Mucubais, pastores nómadas do deserto da Moçâmedes, para filmar "Riusciranno i nostri eroi..." Neste filme eu não colaborei como operador mas como assistente de realização e tinha como principal tarefa o contacto com os Mucubais, transmitir-lhes as instruções do realizador, isto é, pô-los a representar. No começo foi difícil fazer-me entender porque entre aquelas quase 70 almas ninguém entendia nem falava português. Ora a certa altura comecei a ver que havia um rapaz ainda novo que parava muito junto de nós e depois ia sorrateiramente para junto dos outros. Até que apertei com ele: "Ó pá, não me lixes, tu estás mesmo a perceber-me". Começou a rir-se e eu nomeei-o meu ajudante. Chamava-se Pepéte e a partir daí não houve mais dificuldades de comunicação. Comecei então a entender um pouco dos costumes daquele povo de gente bonita e elegante mas de envelhecimento muito precoce, ou não vivessem no clima duro do Deserto. Assisti a um caso curioso que se passou na sequência do abate de um boi, segundo a tradição Mucubal e que os italianos queriam e conseguiram filmar. Comprámos-lhes o boi, devolvendo-o depois de morto. Não vou entrar em pormenores que seriam chocantes, mas em resumo, eles aproveitam a carne com todo o sangue e por isso não sangram o animal, matam-no por asfixia. Horrível de se ver! Depois de esfolado o boi distribuíram pedaços de pele pelos homens e rapazes que esfregando os pedaços nas mãos com a gordura do boi fazem uma espécie de curtimento para obter sandálias, bolsas, etc. Pois estando uns tantos sentados em círculo ocupados neste trabalho, vejo que um dos rapazes novos se levanta do seu lugar, dá umas voltinhas, e passando por detrás de um outro, tira-lhe uns bocados que ele tinha ao lado no chão sem que este se apercebesse. Fiquei à espera de ver o sarilho que iria haver quando o roubado desse pelo roubo; até porque quase todos os circunstantes tinham dado pelo acontecido. Qual não foi o meu espanto ao ver que o rapaz ao dar pela falta dos pedaços de pele, olha disfarçadamente em volta e fica quieto e calado, parecia até que envergonhado. Perguntei ao meu "ajudante" como é que aquilo era possível, que ninguém acusasse o ladrão. Riu-se e disse: "Ele é que tem que tomar cuidado com as suas coisas; o outro fez muito bem e o roubado não vai dizer nada porque ainda fariam pouco dele". Como outros costumes e tradições desta etnia, e doutras, temos de as compreender e não procurar impor à força os nossos hábitos como infelizmente se fez durante séculos em África. Mas eu não me quero meter por aqui...
Num outro episódio também passado durante os trabalhos deste filme, o local era a Praia Azul, ao Sul de Moçâmedes. Era Julho, época do Cacimbo, o mês mais frio do ano, e então no Sul ainda é mais. Na cena que se filmava era preciso ir buscar ao mar o "Feiticeiro Branco" ( Nino Manfredi ) que hipoteticamente se teria atirado ao Mar de bordo de um barco onde os seus Amigos o tinham convencido a embarcar, abandonando os seus Mucubais. Estes, em grandes brados e gestos de aflição, tinham-no convencido e ele voltou. Agora faltava convencer oito ou dez de entre os vinte ou trinta homens que tínhamos levado para a praia, a meterem-se na água fria e irem buscá-lo em triunfo. Fiz todo o possível para os convencer pela palavra mas sem resultados. Mesmo vestido meti-me na água até acima da cintura (eles iriam de tanga, o que não seria a mesma coisa). Sem resultado. Então usei o supremo argumento. "Dou uma garrafa de aguardente para os homens que forem para dentro do mar". Aí as coisas já foram diferentes. Juntaram-se os dez homens em conciliábulo e sai de lá um "leader" que me vem dizer: "Tem uns que está com medo, mas a gente vai. Mas o aguardente tem de ser para todos". Achei bonito, caro mas bonito. "Bem, eu dou a aguardente logo no fim do trabalho. Agora vamos lá às filmagens". O duplo – o Zé Portugal, um rapaz de Moçâmedes com o físico do Manfredi – meteu-se na água, foi um pouco mais para o largo e depois nadou até perto de terra. Metendo-se na água até pouco acima da cintura, os Mucubais foram lá buscá-lo e trouxeram-no em grande festa pela praia acima. Estava ultrapassada a dificuldade, ao mesmo tempo que recebi uma grande lição de solidariedade que me surpreendeu. Mas... as surpresas não pararam ali. À noite, depois de lhes ter dado a aguardente, aparecem-me as mulheres: "João, os home não quer dar aguardente prás mulher, diz que é só prós home". Lá tive que ir falar com os homens para os convencer, não sem alguma dificuldade...

Bocage, o filme

Leitão de Barros

... pelo que me vem à memória, sem nenhuma preocupação de ordem cronológica, lembro-me de um episódio passado durante as filmagens do "BOCAGE", um filme de Leitão de Barros rodado na TOBIS em 1936. O Director de Produção, isto é, o "capitalista", era o Costa Carvalho, que era de uma estupidez inultrapassável. Naquela equipa havia – como aliás era costume na época - vários técnicos estrangeiros que, mal ou bem, se faziam entender em francês. Para o tal director eram todos franceses. Para as filmagens da Taberna do Bocage foram necessárias mesas e bancos de pinho que, feitos no local, ficaram como é óbvio, com o ar de novos. Era pois necessário dar-lhes alguma patine, o que se obtinha com "vieux chènne" que se comprava na drogaria e custava para aí uns vinte e cinco tostões. Ora o tal produtor que além de estúpido também era avarento, não havia forma de disponibilizar os tais vinte e cinco tostões que em 1936 ainda eram alguma coisa. Mesmo em cima de hora e quando o Leitão de Barros estava prestes a entrar no cenário, o que iria desencadear uma tempestade como só ele sabia fazer, o Carlos Neves, irmão da actriz Maria das Neves e Chefe de Redacção do Diário de Notícias que ali estava como Assistente de Realização, entra disparado no escritório do Director e grita: "Então esse VIEUX CHÈNNE, vem ou não vem? Reacção do Produtor: "O QUÊ, MAIS FRANCESES? JÁ TENHO AÍ DOIS A GANHAR UM DINHEIRÃO. NÃO QUERO CÁ MAIS NENHUM! Isto salvou a situação, pois quando o Carlos contou ao Leitão de Barros, este em vez de desatar aos gritos como seria de esperar, riu às gargalhadas e esperou que os bancos e as mesas fossem "patinadas". Atrasaram-se as filmagens, o prejuízo foi muito para além dos vinte e cinco tostões mas divertimo-nos muito.

Outra estória me vem à ideia, passada ainda no BOCAGE, e que ilustra bem o espírito mordaz - por vezes mesmo cruel - do Leitão de Barros que era um conversador interessantíssimo (se considerarmos que só ele conversava e nós nos limitávamos a ouvir). Um certo dia, durante uma curta pausa nas filmagens, juntamo-nos em volta da cadeira de "Realizador" onde ele se recostava - lembro-me bem de que eu, simples "claquete-boy", não tinha direito a cadeira (ainda!) e estava sentado no chão em frente dele junto com outros "descadeirados". Atrás do LB e encostado à sua cadeira estava um compositor da época, cujo nome não me recordo mas que tinha a fama de não ser muito original nas coisas que compunha. Tinha aliás algumas músicas e canções nesse filme. Sucede que ele, o músico, era oficial do exército, capitão, se não erro, e prestava serviço na Guarda Fiscal. O LB apontando para trás diz: "Aqui o "fulano" consegue muito bem conciliar as suas funções de músico com as de guarda-fiscal: "Apreende, apreende, e no fim cobra os direitos". Ninguém se atreveu a rir nem a olhar para o senhor; acabou tudo com sorrisos amarelos.

Neste filme cheio de peripécias, os trabalhos prolongaram-se por cerca de oito meses. Outra a estória é esta: o Manuel Maria, como era tratado pelos amigos, (não confundir com um outro mais actual) o Bocage, regressava da Índia comandando uma força de Marinha e desembarca no Terreiro do Paço (ainda sem colunas, estávamos em 1936) e trata de marchar pela cidade com a tropa a cantar a Marcha dos Marinheiros
que ainda hoje é conhecida. Mas por uma estranha fantasia, a marcha fez todo o caminho a descer até chegar à Praça do Rossio na "Lisboa Antiga". (Aqui vejo-me obrigado a introduzir um parêntesis: Esta Lisboa antiga era um cenário que tinha sido construído para uma qualquer festa no actual Jardim das Francesinhas,junto ao Palácio de São Bento. O Leitão de Barros, que de burro não tinha nada, logo o aproveitou para os exteriores do filme. Era uma Lisboa do Século XVII, dentro de um recinto murado que chegava mesmo à actual Avenida D. Carlos I, ao tempo Av. Presidente Wilson. (as coisas que os velhos sabem!!!) Era pois um espaço muito grande e com o desnível que vinha desde a actual Rua Miguel Lúpi) e fechando aqui o parêntesis, retorno à Lisboa Antiga: e aí vêm os Marinheiros "descendo desde o Tejo" cantando a sua Marcha e trazendo, ou por outra, devendo trazer cachos de bananas espetados nas baionetas. A câmara estava montada no Largo do Rossio, nós ouvíamo-los cantar antes de entrarem em "campo", mas quando chegavam à vista, bananas nem vê-las, só vinham os talos. Foi grande indignação pelo tempo perdido e, pela parte do tal Produtor, pelo custo da fruta. Lá se mandaram comprar mais bananas, lá voltou tudo ao princípio, lá os ouvíamos cantar mas quando chegavam à vista já não havia fruta outra vez. Como é que eles faziam para comer as bananas (mesmo verdes) e cantar ao mesmo tempo? Deviam estar bem organizados! Mas o impossível aconteceu: o Leitão de Barros levanta-se repentinamente da cadeira, mete-se no meio daquela malta – e atenção, não eram "betinhos", era gente ali do Bairro da Esperança que não era para brincadeiras – pois o LB desata ao murro e ao pontapé, os tipos encolhem-se todos (complexo de culpa, certamente); compram-se mais bananas, repete-se o plano e não houve mais problemas. Profundo psicólogo o Barros!!! Mas nós quando o vimos desaparecer no meio dos homens armados de espingardas com baionetas julgamos acabada ali a carreira do realizador; e pensamos que quem devia estar contente era o Arthur Duarte que era o "regisseur geral", como ele dizia, e iria acabar a fita. Mas tudo correu bem dali para a frente.

quarta-feira, junho 29, 2005

Compaixão cristã

No final dos anos 50 fui encarregado de fazer um Documentário Cinematográfico sobre "As Missões Católicas em Angola". Entre outras, teria de filmar uma das mais importantes Missões no Planalto Central - onde, aliás, se situava o maior número delas. Munido de uma credencial de Luanda, dirigi-me ao Paço Episcopal para pedir a indispensável permissão de filmagem e, posteriormente dirigir-me à tal Missão, que ainda era bastante longe da cidade de Nova Lisboa. Fui muito bem recebido pelo Bispo D.Manuel Junqueiro que me disse ter de se deslocar ele próprio ao local dentro de dois dias, e que me levaria com ele. Assim foi, e poucos dias depois do Natal lá partimos no carro conduzido por um irmão leigo; ao lado do qual ia um padre holandês, secretário do Bispo. Atrás ia eu – meio espremido - porque Sua Exª Reverendíssima tinha tanto volume quanto a importância do Cargo. Poucos dias antes um Pastor de uma Missão Protestante tentou atravessar uma "mulola" ( rio de enxurrada, que só tem água no tempo das chuvas) para ir dar umas injecções a doentes de uma sanzala próxima. Estas linhas de água são muito perigosas porque crescem repentinamente de volume quando chove muito a montante. Foi o que aconteceu naquele dia e o Pastor tinha morrido afogado. Foi essa conversa que o padre holandês iniciou logo no princípio da viagem e virando-se para trás rematou: "Coitado, e logo no dia de Natal!" Ao que o Bispo respondeu cheio de compaixão: "Bem, ele era lá protestante, mas a gente sempre tem pena!"

terça-feira, junho 28, 2005

O EGAS

Egas é um nome fictício, como serão todos os que irão aparecer ao longo desta história. Procederei assim, embora pense que, como o Egas, todos os outros personagens já nos tenham deixado. Tudo o que vou contar se reporta a mais de sessenta anos, mais precisamente a 1936. O caso passa-se em Alfama - o meu Bairro - e quanto a localisação, nada mais direi. A figura principal do "conflito" não foi o Egas, foi "Ela". Numa história com interesse há sempre uma ela, e esta era uma garota que deveria ter os seus quinze anos - a julgar pelo tempo em que a fomos vendo crescer- mas era uma mulher perfeita. Uma Sofia Loren "avant la lettre". Oriunda da família mais pobre e degradada daqueles becos, vivia na maior promiscuídade numa casa que não teria mais do que duas divisões para um casal com vários filhos pequenos. Ela era a mais velha. Linda, com uns radiosos olhos claros, cabelo preto e tez muito branca, um corpo magnífico metido num "vestido saco", também este "avant la lettre", constando de uma peça de pano cosido ao lado com tres buracos, para a cabeça e os braços. E era tudo para esconder/revelar o corpo magnífico que já referi. E não me tomem por pedófilo, ao tempo eu teria vinte anos. Não lhe vou pôr um nome fictício porque, não me lembrando do real, corro o risco de acertar. Fiquemos pois por "Ela", que era de um descaramento incrível; quando passava por nós, os rapazes mais velhos, olhava-nos com tal descaro que nos deixava envergonhados, quase desnudados... Apresentada a primeira figura, passemos à segunda: o "Egas". Fora meu companheiro na Instrução Primária e era um garoto tímido, muito reservado, um tanto "menino da mamã", e era de certo modo um burguês num meio operário. Os pais eram considerados pela vizinhança como ricos. No meio da pobreza, quem tem um pouco mais, é rico. Havia uma certa razão para que se pensasse assim, o Pai Matias era encarregado numa Fàbrica e tinha uma modesta oficina particular onde produzia pequenos objectos que depois a Fábrica adquiria (as más línguas diziam que a Fábrica tanbém "fornecia" a matéria prima). Esta família, digamos a DªMariquinhas e o Sr.Matias, pais do Egas, moravam num rés do chão mesmo em frente a umas escadas bastante largas, formando uma espécie de anfiteatro que, lá em baixo afunilavam e acabavam em dois becos, num dos quais morava "Ela". Quer isto dizer que da casa do Egas se via a casa dela e vice-versa. E o Egas começou namorar a moça. Para facilitar a conversa, a moça punha um banquinho cá fora de forma a que ele chegasse ao postigo. Nesse tempo, namorava eu também na porta ao lado da janela da DªMariquinhas. Durante algum tempo assisti àquele inocente namoro. Até que uma noite, lá para perto da uma hora, ouvimos uma gritaria e vimos lá em baixo no beco aparecer a Mãe d’Ela em camisa, deformada pelas numerosas gravidezes. Berrava: "Bandido! Canalha. Ladrão da honra da minha filha!" Todas as janelas em volta se abriram e encheram de gente curiosa e deliciada com o espectáculo gratuito, aliás, já mais ou menos esperado. Também a DªMariquinhas veio à janela a tempo de ver - vimos todos - o Egas sair meio descomposto de casa d’Ela, arrastando por um braço uma mulher completamente nua trazendo na mão direita um trapo, talvez o tal "vestido saco". Puxada pelo braço esquerdo, lançava para trás o direito oferecendo uma simbólica resistência. Melhor, exibindo assim a plena pujança de um corpo deslumbrante, iluminado pelo luar. Ou seria a luz que irradiava daquela Olímpica nudez que iluminava a noite?
Aqui quero render homenagem à grande coragem e senso de dignidade do Egas que, pelo que eu julgava conhecer dele, eram completamente inesperadas. Arrastou a namorada até à porta de casa, certamente disposto a enfrentar o que viesse. Quando toda a gente esperava, e apetecia, um drama, com discussões, gritos e possivelmente o desmaio da DªMariquinhas, eis que esta fecha a janela, abre a porta, puxa os dois para dentro e fecha a porta... acabou o espectáculo para desespero da assistência. Grande mulher a DªMariquinhas. Algum tempo depois, passou a ver-se todas as tardes a Dª Mariquinhas sair de casa acompanhada pela moça muito arranjadinha, com livros e cadernos. Subiam a calçada a caminho da Mestra onde a mocinha iria aprender as primeiras letras de que nunca tinha ouvido falar.
Mais tarde, quando a idade o permitiu, casaram discretamente e... NÃO foram felizes para toda a vida. Mas disso não falarei.

segunda-feira, junho 27, 2005

ESCOLA FECHADA

Ao tempo, frequentava eu a Escola do Centro Republicano Fernão Boto Machado, na rua do Paraíso, paredes meias com o Hospital da Marinha. Naquela época ainda subsistiam nos bairros pobres as associações de ensino como o Boto Machado em Monte Pedral, hoje Santa Engrácia, o Alberto Costa (Stº Estevão), e o António José de Almeita no Largo do Salvador numa antiga igreja da Freguesia de S. Miguel, se não erro. O período pós 28 de Maio foi fértil em pequenas revoltas, todas infelizmente fracassadas. No princípio de 1927 estalou mais uma, penso que a 7 de Fevereiro, essa não tão pequena como isso. A Escola fechou, julgávamos nós, que por pouco tempo. Terminada ingloriamente a revolta era suposto que a Escola abrisse. Ilusão. Alguém teria estado a disparar sobre os carros da GNR que passavam no Largo de Santa Apolónia que era visível das janelas da Escola. Verdade ou não, o certo é que a Escola encerrou definitivamente. E os alunos? Que fazer com eles?
Nós tinhamos feito, no fim do ano lectivo anterior, o exame da 3ª para a 4ª Classe. Exames feitos por examinadores vindos de Organismos superiores. Tinhamos, portanto, o Diploma do 1º Grau. Fomos transferidos para uma Escola no Campo de Santa Clara, junto ao Tribunal Militar (mais tarde de negra memória). Seria curial fazermo-nos acompanhar dos respectivos Diplomas Oficiais. Mais uma vez ilusão; filhos de republicanos, republicanos eram. Chegados à nova Escola fomos sujeitos a exames ad-hoc em salas a funcionar, na presença dos alunos "titulares" que, com a "crueldade" infantil - que alguns nunca perdem - se riam a cada engano que cometiamos. O "examinador" era o Sr. Sedas, e só nos mandou ir ao quadro. Acho que aquela tortura não deve ter demorado mais que um "século", de dez minutos. Fomos distribuídos pelas "várias" classses, entre a primeira e a segunda. No meu caso pessoal, que é o que posso assegurar, voltei à segunda classse ( estavamos a meio do ano ), repeti toda a terceira, fiz de novo o exame do 1º grau e novamente a 4ª classe, da qual já tinha metade. Acabei a I.P com quase 13 anos e... fui trabalhar.
Não posso esquecer a maravilhosa Professora que me acompanhou durante todo o tempo de Escola: a Dona Clotilde.
O que ressalta daqui é o ódio vesgo que já naquela época a ditadura tinha, ainda só com dois anos, que cegava "professores" como o senhor Sedas e os altos dirigentes do Ensino, levando-os a cometerem tamanha violência sobre crianças, quartando-lhes o acesso a um Futuro melhor. Muitos terão ficado por ali...

porquê Roxa xenaider?


Este título carece de uma explicação inicial. Os velhos contam muitas estórias, vividas umas, aprendidas outras ao longo dos anos. Assim foi com o meu Pai, e assim está sendo comigo agora que já sou mais velho do que ele era quando nos deixou. O meu Pai fazia muitas deslocações pelo país conduzindo camions de várias marcas, mas uma Rochet-Schneider marcou-o mais que as outras. Assim, quando nos contava uma das suas pequenas "aventuras" acrescentava: "Olha, uma vez ia até na Roxa xenaider..." Claro que nem sempre teria sido assim, mas para ele era uma firme convicção. Como nos contava muitas vezes a mesma estória, algum de nós lhe dizia: "Ó Papá, essa é uma Roxa xenaider". Também eu contei, e provavelmente contarei algumas mais. A propósito, fazia eu uma viagem profissional pelo interior de Angola acompanhado de um camarada de trabalho, pessoa extremamente educada e com quem não tinha ainda criado intimidade. A viagem de carrinha durava já alguns dias e vários milhares de quilómetros. Entretanto eu, com mais de vinte anos "de mato", ia desfiando estória atrás de estória, até que o meu camarada me diz muito timidamente, "essa é uma Roxa xenaider", quer dizer esta, e sabe-se lá quantas mais teria eu repetido ao meu indefeso Amigo (era eu quem conduzia).